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Servidores de quem?

Entre 2003 e 2017, os gastos com pessoal cresceram nos Estados quase 80% acima da inflação. No último ano, 12 Estados violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita estas despesas a 60%

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Por Notas & Informações
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É de grande interesse o estudo realizado pelo Banco Mundial sobre o funcionalismo público, não só por escancarar as distorções resultantes de décadas, para não dizer séculos, de patrimonialismo predatório, mas por antecipar o projeto de reforma administrativa que integra, juntamente com o pacto federativo e a reforma tributária, a “Agenda da Transformação do Estado” que o governo promete para as próximas semanas.

Com excesso de carreiras, estrutura fragmentada e rígida, progressões rápidas e gratificações generosas e generalizadas, o serviço público incha a máquina estatal e inviabiliza a responsabilidade fiscal. Além de os salários iniciais serem altos, a sua progressão é determinada por tempo de serviço ou aquisição de títulos acadêmicos (um resquício do bacharelismo), deixando pouca margem para gratificações por desempenho. Quando existem, são sistematicamente desvirtuadas, já que quase todos as recebem, inclusive os inativos. Em 87% das carreiras com bônus por desempenho, 9 em 10 servidores os recebem. Nos Estados, as gratificações chegam a 40% da remuneração mensal, e dentre as suas 179 modalidades – quantidade que inviabiliza a transparência e a fiscalização –, 105 vão para a aposentadoria.

Entre 2003 e 2017, os gastos com pessoal cresceram nos Estados quase 80% acima da inflação. No último ano, 12 Estados violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita estas despesas a 60%. Em metade dos Estados os gastos com os servidores inativos crescem mais do que os com ativos, prejudicando a reposição de quadros.

A máquina do funcionalismo é não só custosa e ineficiente, mas promove a desigualdade social. Os servidores federais ganham em média quase 100% mais que seus similares na iniciativa privada – a maior disparidade em 53 países pesquisados – e dois terços deles estão na faixa dos 10% mais ricos da população. Dentro do próprio funcionalismo, a desigualdade entre os que ganham mais e os que ganham menos é, segundo a pesquisa, maior do que no mercado privado. Em um mesmo cargo, o salário-base do servidor mais bem remunerado pode superar em cinco vezes o menor salário da categoria.

Segundo o secretário especial de Desburocratização do Ministério da Economia, Paulo Uebel, o projeto do governo contém quatro diretrizes: foco em servir a sociedade; valorização dos servidores; agilidade e inovação; e eficiência e racionalidade. Duas medidas serão cruciais: a modificação da política de salários iniciais altos e a adoção de mecanismos de triagem e incentivo aos mais produtivos. A mera redução dos salários iniciais em 10% geraria uma economia de R$ 26,35 bilhões na próxima década. Se os aumentos salariais fossem congelados por três anos, haveria uma economia de R$ 187,9 bilhões. Nessa equação, é preciso considerar que durante a recessão que deteriorou a renda dos brasileiros e relegou um terço da população economicamente ativa ao subemprego, desemprego ou desalento, os gastos com o funcionalismo estadual, por exemplo, continuaram subindo na ordem de 6,4% ao ano. Além disso, será necessário vencer as pressões corporativas do funcionalismo e reformular o instituto da estabilidade, um expediente que não pode continuar sendo uma regra imutável. É difícil tocar nos direitos adquiridos dos 11,5 milhões de servidores (5,6% da população) que consomem 15% do PIB. Até 2030, 40% dos funcionários da ativa estarão aposentados. Para os que os substituirão, a estabilidade não pode ser um direito, mas uma prerrogativa excepcional inerente a alguns cargos.

Os servidores têm uma oportunidade de provar a quem realmente querem servir: se ao interesse público, com justos proventos, ou se ao seu patrimônio pessoal, às custas do interesse público. Como disse o secretário Paulo Uebel, na cerimônia de lançamento da pesquisa, a sociedade hoje desconfia do serviço público e os servidores se sentem desmotivados. E concluiu: “Nós, servidores públicos, precisamos assumir o compromisso de resgatar a confiança da sociedade”.