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Simplismo tributário

Se o interesse do governo é arrecadar mais, o primeiro passo é não atrapalhar quem produz

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Por Notas e Informações
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Um levantamento feito pelo Estado mostrou que pelo menos 15 dos 30 líderes de partidos na Câmara são contrários à criação de uma nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Esses líderes representam 65% dos votos da Câmara. Trata-se de uma ótima notícia. Significa que há robusta resistência no Congresso a ideias que, a título de “simplificar” o sistema tributário, na verdade revelam uma visão simplista dos graves problemas a serem enfrentados nessa espinhosa seara.

A CPMF, convém recordar, era um tributo teratológico, aspecto que sua aparente simplicidade jamais conseguiu esconder. Não há justificativa para um imposto que incide sobre a mera transferência de dinheiro, pois a base de arrecadação de qualquer sistema tributário racional se assenta apenas sobre produção, circulação de bens e serviços, operações financeiras, renda e propriedade. Para piorar, a CPMF era um imposto que incidia em cascata, ou seja, afetava todos os participantes da cadeia produtiva, gerando óbvia pressão inflacionária e reduzindo a competitividade do produto nacional. Por fim, mas não menos importante, a CPMF era um imposto regressivo, isto é, incidia proporcionalmente mais sobre quem ganhava menos.

É forçoso reconhecer que o modelo da CPMF parece ser o mais conveniente para a máquina arrecadatória do Estado, pois reduz a necessidade de fiscalização e amplia de modo considerável a base tributária. Foi essa característica, aliás, que ajudou a transformar o “P” de “provisório” em “P” de permanente, e o imposto criado em 1996 como medida emergencial para financiar a Saúde só foi eliminado em 2007.

Desde então todos os governos namoraram a ideia de ressuscitar a CPMF, que seria a solução mágica para dispensá-los de elaborar uma reforma tributária digna do nome. No atual governo, o grande advogado da volta da CPMF é o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, que defende uma versão ainda mais radical do imposto – que incidiria não apenas sobre movimentações bancárias, mas sobre todo o fluxo de pagamento, mesmo que seja feito em dinheiro vivo. Até o nome seria simplificado: Contribuição sobre Pagamento (CP).

Aparentemente, o secretário Marcos Cintra está isolado nessa batalha, pois o próprio presidente Jair Bolsonaro informou que é contra a recriação da CPMF. “Já falei que não existe CPMF, é decisivo”, declarou Bolsonaro no início do mês. No entanto, como o presidente já se desdisse muitas vezes, coerente com seu modo errático e imprevisível de governar, tudo é possível.

Ademais, há uma realidade incontornável: o governo precisa urgentemente melhorar sua arrecadação, e o sintoma mais evidente dessa necessidade é a iminência de um shutdown (paralisação) da máquina pública – a própria Receita, como se noticiou recentemente, pode vir a desligar nos próximos dias seus sistemas informatizados em razão dos seguidos cortes orçamentários. Essa é a realidade de todo o governo, segundo o próprio presidente Bolsonaro: “Os ministros estão apavorados. Não tem dinheiro. A gente está vendo o que pode fazer para sobreviver”.

O imperativo da “sobrevivência”, contudo, não pode servir de pretexto para tratar de modo rudimentar a complexa questão tributária. Ao contrário, agora é o momento de discutir a sério a estrutura de impostos no Brasil, reconhecidamente uma das piores do mundo – pois, além de ser pesada, burocrática e regressiva, castiga quem quer empreender.

Felizmente, o clima no Congresso não parece favorável à adoção de atalhos fiscais, e as atenções dos parlamentares estão voltadas para a discussão de propostas de reforma tributária bem mais responsáveis. Por ora minoritário na questão, o líder do PSL, partido de Bolsonaro, Delegado Waldir, disse que é a favor de “simplificar a vida do empresário”, argumento que se sustenta somente no aspecto formal da CPMF, mas que está longe de representar seus efeitos amplamente deletérios sobre a economia. Se o interesse do governo é arrecadar mais, o primeiro passo é não atrapalhar quem produz.