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Sob Bolsonaro, exceção vira regra

Presidente subverte espírito da Lei de Acesso à Informação ao ocultar o que deveria ser naturalmente público

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Por Notas&Informações
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O bolsonarismo, ao trilhar seu caminho rumo ao Palácio do Planalto, apresentou-se ao eleitor como anteparo à apropriação do Estado brasileiro pelos governos do PT. Desde a mobilização a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff e, depois, na campanha eleitoral de 2018, a retórica bolsonarista nunca mediu palavras, gestos ou memes para atacar a instrumentalização do poder. Pelos outros, claro.

Mal Bolsonaro tomou posse, o País constatou, com pesar, que o método bolsonarista de governo não só repetia práticas outrora condenadas, como também era desprovido de pudor para fazer o que fosse necessário a fim de resguardar o presidente e sua família de investigações indesejadas − que o digam as recorrentes interferências na Polícia Federal e em órgãos de controle e fiscalização.  Neste mês, o balanço dos dez primeiros anos de vigência da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra que o atual governo parece não saber operar fora das sombras. Sistematicamente, não hesita em rejeitar solicitações encaminhadas aos órgãos do governo por meio da LAI, alegando questões de sigilo. 

Conforme revelou o Estadão, essa foi a justificativa apresentada pelo governo Bolsonaro para que nada menos que 26,5% dos pedidos de acesso fossem negados nos três primeiros anos de mandato. O índice bolsonarista de “não transparência” é quase o dobro da média no governo Dilma (13,8%), quando a lei entrou em vigor, e quatro pontos porcentuais maior do registrado no governo do ex-presidente Michel Temer (22,4%).

Avanço democrático similar a práticas adotadas em países desenvolvidos, a LAI parte de um princípio muito simples: o Estado não pertence a grupos nem a ninguém em particular. Se os recursos do poder público saem do bolso dos contribuintes, nada mais natural que a sociedade tenha acesso às informações referentes à gestão pública. 

A LAI inverte a lógica por trás da divulgação das ações de governo, estabelecendo que, em princípio, tudo é público, exceto o que, por motivos devidamente justificados, não possa ser do conhecimento de todos em determinado período. Para isso, define regras e prazos: informações declaradas como “reservadas” podem ser mantidas em sigilo por 5 anos; “secretas”, por 15 anos; e “ultrassecretas”, por 25 anos.

Há ainda a prerrogativa de que informações de caráter pessoal das autoridades públicas não sejam divulgadas pelo prazo de cem anos. Foi com base nesse expediente, por exemplo, que a Presidência se recusou a liberar o cartão de vacinação de Bolsonaro em meio à pandemia de covid-19, em mais uma demonstração de como esse expediente tem se banalizado. Além disso, o governo decretou sigilo sobre as dezenas de visitas ao Palácio do Planalto de pastores envolvidos em escândalo no Ministério da Educação, bem como sobre as visitas dos filhos de Bolsonaro à sede do governo – sempre sob a alegação de segurança pessoal do presidente.

Ora, ninguém há de se surpreender com a prática bolsonarista de operar nas sombras e de afrontar princípios republicanos. A esta altura, não é necessário esperar um século para saber o que Bolsonaro tem tanto a esconder.