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Superávit não autoriza loucuras

Contas públicas estão mais fortes, em parte graças à inflação, mas a dívida é grande e é essencial evitar imprudências

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Por Notas & Informações
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Com R$ 80,07 bilhões de superávit primário acumulado no ano, até abril, o governo central pode exibir, por enquanto, um balanço favorável de suas contas. Esse bom resultado é atribuível a dois fatores: à expansão dos negócios no primeiro trimestre e à inflação muito acelerada. O forte aumento de preços inchou os valores sujeitos a tributação e contribuiu para o farto abastecimento do Tesouro. Como tem ocorrido normalmente, uma respeitável parcela do ganho com impostos, contribuições e taxas diversas desapareceu no enorme buraco da Previdência Social. Desta vez, a sobra geral da arrecadação, de R$ 182,89 bilhões, foi em grande parte anulada pelo déficit previdenciário, de R$ 79,78 bilhões.

Acrescentados os R$ 62 bilhões de saldo primário dos governos estaduais e municipais e os saldos das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás, chega-se ao resultado primário do setor público, um superávit de R$ 148,49 bilhões em quatro meses. O saldo primário é calculado sem o custo dos juros da dívida pública.

Políticos têm apontado a situação fiscal dos Estados, confortável neste momento, como argumento a favor da redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis e energia elétrica. O objetivo, estritamente demagógico, é reduzir os preços desses itens e conter parcialmente os efeitos da inflação. Mas é um absurdo tratar o ICMS – ou qualquer tributo indireto – como se fosse causa de inflação. Além disso, a redução, tal como indicada na última proposta, causará enorme perda fiscal, estimada em torno de R$ 90 bilhões, com graves prejuízos para Estados e municípios.

A boa situação fiscal deste momento de nenhum modo pode justificar mexidas irresponsáveis nas finanças da União, dos Estados ou dos municípios. Somados os juros, o resultado fiscal nesse período foi um déficit de R$ 5,98 bilhões, notavelmente pequeno, mas ninguém deve apostar na permanência de um quadro tão favorável quanto extraordinário. Os juros nominais contabilizados no primeiro quadrimestre, de R$ 154,47 bilhões, foram 36,16% maiores que os de um ano antes e esse item deverá continuar pesando muito no conjunto.

Não é hora de agir como se houvesse dinheiro à vontade, mas de agir com muito cuidado, evitar tentações demagógicas e eleitoreiras, combater a inflação e batalhar por melhores condições fiscais até o fim do ano. A dívida bruta do governo geral, de R$ 7,07 trilhões em abril, correspondeu a 78,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa porcentagem foi 0,2 ponto menor que a do mês anterior, mas foi muito maior que as proporções observadas em países emergentes e de renda média, raramente superiores a 60%.

A herança prevista para o próximo governo já inclui inflação elevada, juros altos, desemprego acima dos padrões internacionais e dívida pública muito grande para um país emergente. As autoridades federais darão apreciável contribuição se se abstiverem, até o fim de 2022, de cometer grandes imprudências e de promover mudanças importantes, como alterações do sistema tributário.