Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Tarifas como armas

As causas que intensificaram o drama na fronteira escapam ao controle do México. Uma delas é a crise nos países da América Central, que leva todos os dias centenas de imigrantes a cruzar a fronteira com a Guatemala

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

O presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou no dia 30 que o México tem 10 dias para reduzir o fluxo de imigrantes ilegais, caso contrário seus produtos serão supertarifados, começando com 5% e aumentando mês a mês até chegar a 25% em outubro. Foi o golpe mais duro do repertório de truculência de Trump. O Congresso e as Cortes devem se manifestar sobre a legalidade dessa medida, mas já se sabe que, além de contrária ao bom convívio entre as nações, é prejudicial aos mercados de ambos os países e tão contraproducente que, provavelmente, produzirá o efeito inverso do desejado, intensificando o fluxo de imigrantes.

A crise migratória foi o tema mais inflamado da campanha que levou Trump à Casa Branca. Tentando financiar o seu muro, ele precipitou o governo federal em uma paralisação de dois meses. Sem resultados, atribuiu-se poderes discricionários sobre o Congresso, declarando um “estado de emergência nacional”, logo contestado nas cortes. A ideia mesma da “crise migratória” é questionável: a média mensal de imigrantes na era Trump (32 mil) é menor do que na época de Obama (35 mil) e mais de duas vezes menor do que na era Bush (82 mil) e nos anos 1990 e 80.

As causas que intensificaram o drama na fronteira escapam ao controle do México. Uma delas é a crise nos países da América Central, que leva todos os dias centenas de imigrantes a cruzar a fronteira com a Guatemala. Outra causa é a lei americana, pela qual imigrantes ilegais detidos com menores podem viver e trabalhar no país até a audiência de asilo, que costuma demorar anos. Atraídos por essa “oportunidade”, muitos arriscam a travessia com crianças. Desde dezembro, já morreram cinco.

Quando assumiu a presidência do México no fim do ano passado, Andrés López Obrador tentou uma abordagem mais humanitária da imigração ilegal, concedendo vistos temporários. Como as caravanas aumentaram, essa política foi revertida e nos últimos meses as detenções e deportações cresceram. Ademais, Obrador se comprometeu a receber de volta os imigrantes detidos nos EUA enquanto esperam o julgamento das Cortes americanas.

Ainda assim, Trump exige que o México adote “ações efetivas”, mas nem sequer esclareceu quais são. “Nós deixamos intencionalmente a declaração meio indefinida”, disse o chefe de gabinete Mick Mulvaney. Este tipo de chantagem viola as regras do Nafta e da Organização Mundial do Comércio. “Não se pode usar o comércio como uma arma em áreas como a imigração sem violar completa e totalmente os compromissos comerciais com outro país”, disse Rufus Yerxa, presidente do Conselho de Comércio Exterior americano.

As exportações do México constituem um terço do seu PIB. Quatro quintos delas, cerca de US$ 340 bilhões ao ano, são para os EUA. Uma tarifa de 5% penalizará a exportação mexicana em US$ 17 bilhões. Esse valor será pago pelos importadores e repassado aos consumidores americanos. Ademais, dois terços do que os EUA importam do México, um de seus três maiores parceiros comerciais, são transacionados entre empresas associadas. Muitos automóveis, por exemplo, são produzidos por uma combinação de fábricas mexicanas, americanas e canadenses. As tarifas afetarão esta cadeia, aumentando os custos para todos. E assim com as indústrias de alimentos, energia e eletrônicos.

Trump também põe em risco o novo Acordo Norte-Americano de Livre Comércio, em fase de conclusão com o Canadá e o México, que já havia aceitado as condições dos EUA. Agora, outros parceiros que estão negociando com os EUA, como o Japão, a União Europeia e a China, terão todas as razões para duvidar de que o país manterá suas promessas.

O pior é que, no fim, a precarização da economia mexicana tenderá a aumentar o fluxo migratório. Não à toa, o The Wall Street Journal disse em editorial: “Os senadores republicanos precisam sair dos bancos de seus sedãs e enviar uma mensagem sobre o comércio ao Presidente, ou estarão em minoria em 2021”.