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Tempestade perfeita na Amazônia

Queimadas podem piorar neste ano, agravando a crise sanitária, econômica e geopolítica

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Por Notas & Informações
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Dados consolidados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que o desmatamento da Amazônia no ano passado foi maior do que se supunha. Ao mesmo tempo, o próprio Inpe e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) alertam: dado o padrão de desmatamento recente, as queimadas em 2020 podem superar as de 2019, não só agravando a crise ambiental, mas possivelmente a de saúde pública. Como ambas têm repercussão internacional, isso pode deteriorar ainda mais a reputação do Brasil no plano geopolítico e intensificar a fuga de capitais.

“A Amazônia brasileira pode ser atingida, em breve, por uma ‘tempestade perfeita’”, adverte o Ipam. “Uma eventual interação entre a pandemia de covid-19 e o aumento do desmatamento seguido do fogo terá potencial de provocar mais mortes na região. A temporada de seca e queimadas, que se inicia em final de junho, pode ser igual ou mesmo mais intensa do que aquela que atingiu a região em 2019.”

No ano passado, o sistema de monitoramento Deter apontou que de agosto de 2018 a julho de 2019 haviam sido desmatados 6.844 km². À época, o presidente Jair Bolsonaro chegou a sugerir que os números eram mentirosos. Agora, sabe-se que, longe de serem inflacionados, eles eram defasados. Os dados do sistema Prodes mostram que no período a Amazônia perdeu na verdade 10.129 km² - 34,41% a mais em relação aos 12 meses anteriores. A diferença se deve às especificidades dos sistemas. O Deter é mais dinâmico, mas tem menos visibilidade. Sua principal função é rastrear tendências que depois são detalhadas pelo Prodes.

Agora, o Deter aponta que de agosto de 2019 a maio de 2020 a derrubada já ultrapassou 6 mil km². O cenário de alta, pois, se mantém, com a agravante de que em junho e julho o desmatamento tradicionalmente se intensifica. O Ipam calcula que até o final de julho, quando se inicia o período crítico da estiagem, a extensão de árvores mortas e secas tende a atingir 9 mil km². Dependendo do volume das queimadas e do comportamento da fumaça, as partículas podem fustigar uma população já vulnerável às síndromes respiratórias causadas pela covid-19. “Se 60% dessa área queimar, teremos uma temporada de fogo semelhante à de 2019”, alerta o Ipam. “Se 100% queimar, pode se instalar uma calamidade de saúde sem precedentes.”

Para piorar, as zonas mais devastadas são justamente as florestas públicas não destinadas, objeto de cobiça das quadrilhas de grileiros e especuladores, que, além dos crimes ambientais, estão habitualmente envolvidas em delitos como estelionato, contrabando, trabalho escravo e homicídios.

O poder público precisa agir rapidamente, com foco no acúmulo de áreas desmatadas e não queimadas. O Ipam recomenda que o decreto de Garantia da Lei e da Ordem que determina a atuação das Forças Armadas seja estendido de julho até outubro, quando se encerra o período de seca. Mas esta atuação precisa ser qualificada. Ainda não está claro como as medidas de repressão serão implementadas, e, como mostrou reportagem do Estado, há pouca coordenação com os fiscais em campo, com o risco de que, antes de verem a sua atuação reforçada, eles sejam desprestigiados, ficando mais vulneráveis às crescentes agressões dos criminosos. A médio prazo, é preciso construir estratégias de controle do desmatamento que suplementem as reações emergenciais e espasmódicas. Mas o governo também precisa ir além de medidas defensivas, e explicitar como pretende implementar seu tão propalado “ambientalismo de resultado”.

A atmosfera sociopolítica global oferece todas as condições para uma “tempestade perfeita” positiva, que conjugue esforços da sociedade civil, empresas nacionais e estrangeiras e governos e instituições internacionais, para integrar a preservação ambiental ao uso sustentável dos recursos naturais e humanos, estimulando a economia e o emprego na região. Em tese, o Conselho da Amazônia, criado no início do ano, deveria catalisar estas ações. Mas até o momento, além das boas intenções, ele não mostrou a que veio.