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Tempo de responsabilidade

A eleição municipal é tema decisivo, que diz respeito ao exercício dos direitos políticos e ao futuro do País

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Por Notas & Informações
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Tendo em vista a relevância que as eleições têm para o funcionamento do sistema democrático, é preciso tratar o possível adiamento do pleito municipal com seriedade e responsabilidade, sem submetê-lo a interesses menores ou questões partidárias. Transformar o tema em objeto de barganha política seria claro desserviço ao País, trazendo insegurança sobre um tema que exige justamente regras claras, definidas com a máxima antecedência possível.

A Constituição de 1988 define que a eleição do prefeito e do vice-prefeito deve se realizar “no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devem suceder”. Com relação aos municípios com mais de 200 mil eleitores, o texto constitucional estabelece que eventual segundo turno deverá ocorrer no último domingo de outubro. Assim, segundo as regras atuais, o primeiro turno das eleições de 2020 deve ocorrer no dia 4 de outubro e o segundo turno, no dia 25 de outubro.

Tendo em vista a gravidade da pandemia do novo coronavírus, bem como o fato de que todo o processo eleitoral – as convenções partidárias, a campanha eleitoral e os dias de votação – envolve, em alguma medida, circulação e movimentação de pessoas, com efeitos sobre a transmissão do vírus, parece razoável estipular, com prudente antecedência, novas datas de votação para este ano. Não há motivo para que as eleições coloquem em risco a saúde da população.

O Congresso criou um grupo de trabalho, com deputados e senadores, para estudar o assunto. Por sua vez, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, tem procurado consolidar, com lideranças políticas e especialistas médicos, um entendimento sobre o possível adiamento das eleições municipais. Como a alteração das datas precisa ser feita por meio de proposta de emenda constitucional (PEC), requerendo aprovação em dois turnos por três quintos da Câmara e do Senado, a mudança do calendário eleitoral demanda tempo, o que confere especial urgência ao tema. 

Diante desse quadro, é preocupante a resistência de alguns partidos, especialmente do Centrão, em estudar o assunto com seriedade, alegando – sem apoio de nenhum dado objetivo – que as datas do pleito podem ser mantidas no mês de outubro. Além da evidente questão de saúde pública, as eleições devem ocorrer num ambiente de tranquilidade.

Cabe ao Congresso, avaliando as circunstâncias excepcionais impostas pela pandemia, assegurar as condições para que todo o processo eleitoral se dê num contexto de normalidade, o que inclui definir quais são as melhores datas para o primeiro e o segundo turnos. Seria uma tremenda irresponsabilidade com a saúde da população fechar os olhos aos riscos da covid-19. Seria uma tremenda irresponsabilidade com as regras eleitorais postergar indefinidamente a decisão sobre o adiamento das eleições.

Vale ressaltar que a discussão sobre a data das eleições se refere estritamente à mudança do calendário eleitoral, e não a uma prorrogação do mandato popular. Não há nenhuma dúvida de que as eleições municipais devem ocorrer neste ano. Eventual adiamento do pleito para 2021, por exemplo, significaria prorrogar o atual mandato de prefeitos e vereadores, o que é inconstitucional e eticamente inaceitável. O Poder Legislativo não tem direito de estender o mandato político de quem quer que seja. O voto conferiu aos atuais prefeitos e vereadores um mandato determinado, que termina em 31 de dezembro deste ano. Eventual prorrogação do mandato representaria exercício de poder político além do que foi conferido nas urnas, o que fere o Estado Democrático de Direito.

Existe uma situação excepcional de saúde pública, e a política não pode fechar os olhos a essa realidade. São circunstâncias excepcionais, que exigem medidas adequadas e no seu devido tempo. É preciso, portanto, diligência na avaliação e definição do calendário eleitoral. Trata-se de um tema decisivo, que diz respeito ao exercício dos direitos políticos e ao futuro do País. Não é hora de desleixo ou barganha – é tempo de responsabilidade.