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Tempo perdido em Alcântara

É fundamental que questões ideológicas não limitem a atuação internacional do País

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Por Notas & Informações
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A conclusão do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados Unidos, que permite o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão, mostra como uma falsa polêmica pode gerar prejuízos ao interesse nacional. Em 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, um acordo semelhante foi assinado, mas a oposição vendeu o discurso de que os termos do tratado feriam a soberania nacional e, no ano seguinte, o Congresso acabou por rejeitá-lo.

Desde então, o Brasil tentou reabrir as negociações com os Estados Unidos, mas as rodadas de conversa sobre o tema intensificaram-se em maio do ano passado. Agora, quase 20 anos depois, os dois países chegaram a um consenso sobre a nova redação do acordo. A previsão é de que seja assinado pelos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump em Washington, no próximo dia 19 de março. Como se vê, trata-se de mais um tema que ficou atravancado durante os governos petistas e que o governo de Michel Temer conseguiu com êxito destravar.

O AST refere-se à proteção de conteúdo com tecnologia americana usado no lançamento de foguetes e mísseis a partir da base de Alcântara. Tendo em vista que 80% do mercado espacial usa tecnologia americana, o uso da base brasileira, sem o acordo, estava muito limitado. O texto inclui também o compromisso de não proliferação de tecnologias de uso dual - aquelas que podem ser usadas tanto para fins civis como militares.

Ao ampliar o uso da base de Alcântara e promover investimentos no setor, o AST possibilita uma série de parcerias empresariais e insere o País no âmbito da cooperação espacial. “Essa negociação encerra quase 20 anos em que estamos tentando lançar da base de Alcântara mísseis de maior capacidade, de maior porte e que podem ser utilizados no uso comercial, sobretudo de lançamento de satélite”, afirmou Sérgio Amaral, embaixador do Brasil nos EUA, ao Estado.

O AST deixa claro que não haverá segregação de uma área da base de Alcântara em favor dos Estados Unidos, como se o Brasil estivesse cedendo soberania sobre o território nacional. A previsão é de restrição de acesso. “Teremos em Alcântara um espaço para proteção de tecnologia americana, mas continua sendo espaço de jurisdição brasileira. Não é cessão de território para ninguém, é um espaço que foi transformado em área de acesso restrito”, explicou Sérgio Amaral.

O acordo prevê que a área ficará restrita a pessoas credenciadas pelos dois governos ou sob consulta pelo governo americano ao brasileiro. A nova redação também limitou o escopo do tratado. Antes, a proteção recaía sobre toda a tecnologia utilizada. Agora, ela está restrita a mísseis, foguetes, artefatos e satélites que utilizem tecnologia americana.

Cada vez mais, o aproveitamento do potencial de um país em muitas áreas exige estabelecer acordos e parcerias com outras nações. O desenvolvimento tecnológico envolve integração internacional. Por sua localização geográfica, a base de Alcântara possibilita, por exemplo, uma economia de até 30% de combustível no lançamento de satélites. Essa vantagem competitiva era desperdiçada, no entanto, pela ausência de acordo, e o tema ficou parado por quase 20 anos também por limitações ideológicas do PT. Afinal, era o mesmo partido que fez oposição ao acordo durante o governo FHC.

Um país fechado, encerrado numa ideia equivocada de soberania, desperdiça muitas oportunidades. É fundamental que questões ideológicas não limitem a atuação internacional do País. Seja para exportar, seja para realizar parcerias em projetos de vanguarda tecnológica e em tantas outras possíveis áreas de cooperação, não faz sentido que o Brasil restrinja opções por suposta falta de sintonia ideológica. Esse modo de atuar - tão presente nos anos petistas e que, agora, com sinal trocado, se vê em algumas manifestações do governo Bolsonaro - causa enorme prejuízo para o País. O critério a reger os acordos internacionais deve ser sempre o interesse nacional, não as limitações ideológicas de quem está no poder.