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Todos contra a desinformação

Prêmio lembra que a colaboração entre o jornalismo profissional e a sociedade civil é vital no combate à mentira

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Por Notas & Informações
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Notícias falsas são tão velhas quanto as notícias. Em certo sentido são mais. A manipulação da informação data de milênios, enquanto os padrões e regras de integridade do jornalismo são um fenômeno de poucos séculos.

Os humanos têm uma tendência natural a difundir informações falsas: eles são atraídos por eventos surpreendentes que provocam frêmitos no cérebro. “Uma mentira pode correr o mundo enquanto a verdade ainda está calçando suas botas”, teria dito Mark Twain.

Cem anos depois, a diferença é que hoje a mentira é auxiliada por batalhões de robôs; a Inteligência Artificial pode atingir o público certo, na hora certa, com a mentira certa; e novas tecnologias fabricam imagens falsas indistinguíveis das reais. O assalto ao Congresso dos EUA mostrou que as notícias falsas podem ameaçar o coração da democracia mais rica e poderosa do planeta, e a pandemia mostrou que elas podem se disseminar e transmutar tão velozmente quanto um vírus.

Para combater as “infodemias”, regulações nos algoritmos das redes sociais parecem inevitáveis. Mas ninguém deve ignorar os riscos de se delegar a uma instituição pública ou privada o poder de definir e reprimir o que é “falso”.

Independentemente dessas mobilizações de cima para baixo, é certo que uma sociedade resiliente precisa praticar um tipo de higiene de baixo para cima. Isoladamente, lavar as mãos, usar máscaras, evitar aglomerações parecem barreiras triviais. Coletivamente, elas funcionam.

Os anticorpos contra as notícias falsas estão em todos os que defendem a integridade e a imparcialidade nas notícias. Mas assim como as pessoas comuns precisam dos profissionais de saúde para orientar seu combate a um patógeno, elas precisam da ajuda dos profissionais da informação contra a falsidade.

Neste contexto, é simbólico o prêmio de Liberdade de Imprensa dado pela Associação Nacional de Jornais ao Projeto Comprova e ao Consórcio de Veículos de Imprensa, duas iniciativas integradas pelo Estado.

O Consórcio foi criado para divulgar informações confiáveis sobre a pandemia após as tentativas do governo de manipular dados. O Comprova é uma coalizão de combate à desinformação em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. São modelos colaborativos, não só entre jornalistas, mas entre eles e a sociedade civil.

Se a desinformação é uma ameaça ao jornalismo, é ainda mais à democracia. Mas, como tal, ela “dá ao jornalismo de qualidade a oportunidade de mostrar que tem um valor baseado na técnica, ética, engajamento e experiência”, disse Charlie Beckett, da London School of Economics. “É um chamado para que ele seja mais transparente, relevante e agregue valor à vida das pessoas.” Analogamente, ela conclama para uma democracia mais robusta.

As mídias sociais democratizaram a todos a oportunidade de ser repórteres, editores e articulistas de seus próprios veículos. Mas tal como numa crise de saúde individual ou coletiva cresce a importância dos profissionais de saúde, na atual crise da desinformação o jornalismo profissional é mais, não menos, importante.