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Tormenta nacional e bonança subnacional

Estados e municípios precisam urgentemente arrumar suas contas e olhar para o todo

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Por Notas & Informações
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Nos estertores do ano parlamentar de 2020, a Câmara dos Deputados quase aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (319/17) prevendo aumento de 1% (R$ 4 bilhões por ano) nos repasses da União às prefeituras via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Em janeiro, secretários de Fazenda de 18 Estados pediram ao Congresso que seja prorrogado, entre outros subsídios, o socorro federal a Estados e municípios. Em tese, tais propostas apelam ao senso de solidariedade dos parlamentares e da opinião pública em face da covid-19. Na prática, elas revelam justamente o contrário: a insensibilidade com as mazelas fiscais e sociais agravadas pela pandemia.

Segundo o Tesouro Nacional e o Banco Central, em 2020, enquanto as contas públicas federais fecharam com um rombo de R$ 745,3 bilhões e uma dívida que se aproxima de 100% do PIB, Estados e municípios fecharam com quase o dobro de dinheiro em caixa em relação a 2019: de R$ 42,7 bilhões para R$ 82,8 bilhões.

A União repassou aos entes subnacionais um total de R$ 60 bilhões em caráter emergencial – tendo por contrapartida o congelamento nos reajustes salariais do funcionalismo até 2021. Foi o segundo maior gasto federal, atrás apenas dos R$ 239 bilhões do auxílio emergencial. Estados e municípios também foram contemplados com a suspensão do pagamento de dívidas com a União, no valor de R$ 65 bilhões. Além disso, a arrecadação caiu menos do que se esperava, e em alguns casos cresceu, chegando a até dois dígitos porcentuais. Tudo somado, governadores e prefeitos têm a maior disponibilidade de caixa em 19 anos.

Em poucas palavras, o grande problema dos entes subnacionais não é como conseguir mais dinheiro para cobrir os déficits de caixa causados pela pandemia, mas, ao contrário, como administrar responsavelmente o superávit gerado em razão dela.

O Tesouro Nacional tem alertado para a deterioração crônica das contas subnacionais, especialmente por causa das despesas com o funcionalismo. Em 2019, nove Estados romperam os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Apesar disso, a maioria segue procrastinando suas reformas previdenciárias e administrativas.

No caso dos municípios, por exemplo, um aumento permanente de repasses, como o proposto para o FPM, pode servir de pretexto para projetar aumentos na remuneração de servidores, que em nada foram afetados pela pandemia.

Enquanto os entes subnacionais não implementam suas reformas, o mais prudente seria preservar a “gordura” resultante do socorro federal para cobrir passivos previdenciários e aumentos nos gastos fixos, além de eventuais reveses da pandemia. Até porque algumas despesas devem crescer. Com a aprovação do novo Fundeb, o piso salarial dos professores pode subir até 30%. No caso dos servidores ativos, o aumento será coberto pelo próprio Fundeb, mas no caso dos inativos a conta sobrará para Estados e municípios.

Outro uso que não se pode descartar seria justamente o resgate de parte desse excedente para compor a nova rodada do auxílio emergencial federal, que se mostra cada vez mais inevitável. “Os entes subnacionais poderiam devolver parte dessa transferência a maior participando do financiamento do pagamento do auxílio. Isso garantiria pelo menos R$ 10 bilhões”, defendeu o economista Marcos Mendes, em artigo no Brazil Journal.

A transformação do excedente de caixa em auxílio social, além de cumprir a função humanitária de socorrer as camadas desprovidas da população, também seria revertida em receita para os entes federados. Como se sabe, o auxílio emergencial foi em grande parte responsável pela arrecadação acima das expectativas do ICMS, para os Estados, e do ISS, para os municípios.

Fato é que os entes subnacionais precisam urgentemente arrumar suas próprias contas e olhar para o todo. As pressões fiscais sobre a União, além de inviabilizarem programas de assistência emergencial, podem deteriorar as condições de crédito, impactando todos os entes federados. A melhor resposta à generosidade da União em 2020 é a responsabilidade de Estados e municípios em 2021.