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Trabalhadores, enfim, na pauta oficial

Governo reconhece, afinal, a gravidade da crise econômica gerada pelo vírus

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Por Notas & Informações
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Desempregados e pobres entraram afinal na pauta do governo. O coronavírus forçou o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe a cuidar de assuntos deixados, até há pouco tempo, em segundo ou terceiro plano. A melhor vacina contra os efeitos econômicos da epidemia seria a aprovação de reformas, dizia há algumas semanas o ministro da Economia, Paulo Guedes. Que reformas – e aprovadas em quanto tempo? O programa de R$ 40 bilhões para financiamento de salários e proteção de empregos, anunciado na sexta-feira, foi mais um sinal da mudança. A emergência havia entrado de fato no radar da área econômica.

O vírus continuava batendo o governo, ainda lento na reação aos danos econômicos da pandemia. A Câmara dos Deputados já havia aprovado um repasse mensal de R$ 600, por três meses, a trabalhadores informais e a pessoas com deficiência à espera do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo INSS. O projeto ainda passaria pelo Senado, mas o Congresso mais uma vez se mostrava mais ágil e mais orientado que o Executivo.

No Ministério da Economia, o enfrentamento da nova crise havia começado para valer na semana anterior. A primeira ação ambiciosa havia sido um plano de apoio simultâneo a trabalhadores e a empresas. Empregadores poderiam antecipar férias e feriados, determinar férias coletivas e suspender contratos de trabalho. Tudo isso foi previsto na Medida Provisória (MP) 927, editada no dia 22. Mas faltou garantir a remuneração pelo menos parcial após a suspensão dos contratos.

A MP 927 foi um desastre político, embora defensável em alguns aspectos. O presidente queixou-se de estar apanhando e pediu ajuda ao ministro. Suspensa a trapalhada, a equipe econômica deveria recompor a proposta, combinando a flexibilidade oferecida às empresas com alguma proteção aos trabalhadores. Seria preciso garantir apoio também aos informais.

Nenhum projeto tão amplo quanto a infeliz MP 927 havia sido anunciado até a manhã de sexta-feira, quando o presidente da República e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, lideraram a apresentação do programa de apoio financeiro a pequenas e médias empresas. Subsidiado pelo Tesouro, o programa dependeria também de recursos dos bancos. O dinheiro seria destinado diretamente aos assalariados e a dívida seria assumida pelas empresas.

À tarde, o ministro da Economia se manifestou por vídeo, fazendo um balanço das ações iniciadas contra a crise e prometendo mais dinheiro para ajuda aos trabalhadores e, de modo especial, às pessoas mais indefesas. Começou reconhecendo, enfim, o tamanho do desafio. Retomou a distinção entre duas ondas da crise, a da saúde e a da economia, e admitiu: a segunda onda pode ser uma crise maior que qualquer outra já enfrentada no Brasil. Com pouca novidade, o discurso de Guedes enumerou principalmente medidas já apresentadas pelo Executivo e pelo BC, como a liberação de recursos do depósito compulsório para empréstimos, a antecipação de pagamentos a aposentados e o aumento dos beneficiários do Bolsa Família. Além disso, prometeu ajuda federal no pagamento de salários, em caso de redução pelas empresas.

A equipe do Ministério da Economia continua com dificuldades para montar um programa articulado de enfrentamento da crise. Na área federal, o BC continua liderando a ação anticrise, com medidas para facilitar a expansão do crédito e para garantir liquidez ao setor bancário. Bancos estatais, como a Caixa Econômica e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também têm mostrado capacidade de ação. No caso do BNDES, ensaia-se um retorno às suas funções de apoio à economia.

A agenda federal seria muito mais simples se o governo tivesse de enfrentar, neste momento, só a segunda onda. Mas tem de enfrentar as duas. Pior que isso: para cuidar da primeira, o Ministério da Saúde contraria a opinião do presidente da República, empenhado em relaxar as medidas de prevenção sanitária. Se o presidente prevalecer, a morte se encarregará de reduzir o número de desempregados.