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Trump cumpre promessa

Estados Unidos notifica a ONU sobre sua saída do Acordo de Paris e o presidente Donald Trump cumpre uma de suas principais promessas de campanha

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Por Notas & Informações
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O governo dos Estados Unidos notificou formalmente a ONU de que está se retirando do Acordo de Paris. Firmado por quase 200 países em 2015, esse tratado estabelece compromissos para a redução de emissão dos gases de efeito estufa, com o objetivo de conter o aquecimento global, e ao mesmo tempo encontrar soluções para o desenvolvimento sustentável de nações pobres. Com a decisão, o presidente Donald Trump cumpre uma de suas principais promessas de campanha.

Trump é a voz mais poderosa de um movimento que denuncia como “embustes” as informações científicas sobre mudanças climáticas. Segundo esse raciocínio, compartilhado pelo presidente Jair Bolsonaro, os alertas a respeito do aquecimento global são parte de uma conspiração estrangeira contra os interesses e a soberania nacionais, especialmente no que diz respeito à escolha das matrizes energéticas e à preservação de biomas. “Chegou a hora de colocarmos Youngstown, Ohio; Detroit, Michigan; e Pittsburgh, Pensilvânia, entre outras cidades deste nosso grande país, à frente de Paris, França”, disse Trump em 2017, quando anunciou que deixaria o Acordo de Paris.

A concretização dessa bravata ocorre no momento em que Trump se vê acossado por denúncias que podem resultar em seu afastamento da presidência - um processo de impeachment já foi aberto. A atitude colabora para isolar mais os Estados Unidos e, principalmente, mina os esforços pela implementação do Acordo de Paris.

A retirada norte-americana só se tornará efetiva no dia 4 de novembro de 2020 - isto é, um dia depois da eleição presidencial. Deverá, assim, ser tema candente da campanha, pois, se o vencedor do pleito não for Trump, a retirada do acordo poderá ser anulada antes de vigorar. Para os que não votam na eleição norte-americana - isto é, o resto do mundo -, o que importa é que a saída dos Estados Unidos ameaça enfraquecer a luta contra as mudanças climáticas.

No âmbito do Acordo de Paris, dois dos países mais poluentes do mundo, China e Índia, são considerados “em desenvolvimento” e, portanto, são tratados de maneira mais branda - têm metas mais baixas e devem ser auxiliados pelos países ricos para implementarem as mudanças na matriz energética necessárias para conter o aquecimento global. Esse é um dos aspectos que Trump invoca ao considerar o Acordo de Paris danoso aos interesses norte-americanos, pois a China hoje é o principal concorrente dos Estados Unidos no comércio internacional. Razão semelhante levou os Estados Unidos, em 2001, sob o governo de George W. Bush, a abandonarem o Protocolo de Kyoto (1997), antecessor do Acordo de Paris.

Desse modo, ainda que a China tenha ratificado o Acordo de Paris e tenha reafirmado o compromisso de nele permanecer mesmo com a saída dos Estados Unidos, é provável que a ausência norte-americana reduza a pressão sobre os chineses para que cumpram sua parte no tratado.

A concretização da retirada norte-americana do Acordo de Paris pegou os negociadores do tratado climático de surpresa. Desde a posse de Trump, em 2017, eles trabalharam para tentar manter os Estados Unidos dentro do pacto, mas não tinham um plano de contingência para o pior cenário - que acabou se confirmando. Felizmente, haverá um ano para pensar em alternativas para pressionar China e Índia a respeitarem o acordo.

Outro aspecto que ajuda a mitigar os efeitos da decisão de Trump é o fato de que dentro dos Estados Unidos há em curso projetos destinados a estimular a redução da emissão de gases. Há até mesmo um movimento intitulado Nós Ainda Estamos Dentro, cujos integrantes - empresários, governadores e prefeitos - reafirmam o compromisso disposto no Acordo de Paris, a despeito do que tenha decidido o governo federal. A Califórnia, por exemplo, adotou medidas mais severas do que as previstas no tratado. Ou seja, Trump e os negacionistas do clima não terão vida fácil.