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Trump não está acima da lei

A sociedade americana debate se é conveniente politicamente investigar Donald Trump. Não cabe nenhuma dúvida. No Estado de Direito, todos devem responder por seus atos

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Por Notas & Informações
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A igualdade de todos perante a lei é um dos princípios republicanos que poucos países no mundo levam tão a sério como os Estados Unidos. Ali, a jurisprudência da Suprema Corte, ao longo de séculos, tem sido consistente na defesa do primado da isonomia. De modo que é surpreendente que o debate público naquele país esteja hoje debruçado sobre a seguinte questão: investigar ou não o ex-presidente Donald Trump? Não deveria haver dúvida. Ninguém está acima da lei.

Sobre Donald Trump pairam suspeitas de uso do cargo público para obtenção de vantagens financeiras particulares e de guarda irregular de documentos ultrassecretos, incluindo informações que envolvem a segurança nacional dos Estados Unidos. Há investigações em andamento para apurar esses fatos. Na semana passada, agentes do FBI realizaram uma operação de busca na casa do ex-presidente republicano em Mar-a-Lago, um resort privado em Palm Beach, na Flórida. Além disso, Donald Trump pode ser processado por seu papel de liderança na tentativa de sedição de 6 de janeiro de 2021, quando uma horda de seus apoiadores, sob ordens do então presidente, invadiu o Capitólio para sustar a certificação da vitória do democrata Joe Biden.

Na discussão sobre a conveniência de investigar Donald Trump, argumenta-se que as autoridades políticas e judiciárias dos Estados Unidos precisam fazer uma ponderação entre dois valores: a igualdade de todos perante a lei e a paz social. Investigar Donald Trump e processá-lo, argumentam os contrários à ação, ampliaria a divisão da sociedade americana, já bastante cindida, o que, no limite, poderia provocar uma tensão social de tal monta que uma “guerra civil” não poderia ser descartada. Em outras palavras: Donald Trump não deveria ser investigado porque tem muitos apoiadores, e não poucos deles são fanáticos o bastante para pegar em armas e matar ou morrer em sua defesa.

Por outro lado, os que defendem a investigação do ex-presidente republicano sustentam que tratá-lo de modo diferenciado seria ferir de morte um princípio fundamental dos Estados Unidos: a estrita igualdade de todos os cidadãos perante a lei.

A rigor, não deveria haver esse tipo de discussão. Os valores da igualdade e da paz social não são antagônicos. Na realidade, exigem-se mutuamente. Alcança-se a paz cumprindo a lei, e não o contrário. Por isso, num Estado de Direito, não deve haver dúvidas quanto à necessidade de dar continuidade a uma investigação quando, pelos critérios legais – aplicáveis a todos os cidadãos –, há elementos suficientes para isso.

No caso de Donald Trump, as investigações podem custar-lhe anos de cadeia e a inelegibilidade, especialmente por seu papel de liderança no 6 de Janeiro. A Seção 3 da 14.ª Emenda da Constituição americana proíbe que qualquer cidadão que tome parte de “insurreição ou rebelião contra os Estados Unidos” ocupe cargos públicos federais.

No Brasil, houve, anos atrás, alegações de que a investigação do petista Lula da Silva, que também conta com um grande número de seguidores, “convulsionaria” o País. Os temores mostraram-se injustificados. Lula foi investigado, processado e condenado, e não houve nenhuma convulsão social. Cumpriu parte da pena e foi solto quando o Poder Judiciário decidiu que havia razões legais para soltá-lo. Agora, há quem queira atribuir esse mesmo tipo de imunidade a Jair Bolsonaro. Com tantos seguidores – muitos deles armados –, seria arriscado pretender que a Justiça aplique a lei sobre os atos de Jair Bolsonaro. As consequências poderiam ser imprevisíveis, dizem.

O Judiciário deve aplicar a lei, de forma isenta e serena, sem medo de eventuais repercussões políticas – e sem receio de ser tachado de parcial. Quando se trata do cumprimento da lei, não há espaço para cálculos políticos. A pretensão de que alguns cidadãos ou grupos tenham um tratamento diferenciado em razão de sua popularidade contraria o princípio da igualdade e a própria ideia de justiça, que demanda imparcialidade. O Estado não pode ser refém de ninguém.