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TSE cai na arapuca do bolsonarismo

Não cabe ao Judiciário impor qualquer tipo de censura. TSE errou e deve corrigir, o quanto antes, seus equívocos. Mas que ninguém se engane: Bolsonaro não é a vítima desta campanha

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Por Notas & Informações
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Nos últimos dois anos, o presidente Jair Bolsonaro tentou, de todas as formas, criar confusão com as urnas eletrônicas. Felizmente, a Justiça Eleitoral conseguiu se desvencilhar das armadilhas bolsonaristas. As eleições ocorreram de forma pacífica e, por mais que o presidente da República tenha difamado o sistema eletrônico de votação, ninguém duvida hoje da lisura do resultado do primeiro turno. Mérito total do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No entanto, se o TSE mostrou-se extremamente prudente com as urnas eletrônicas, não se pode dizer o mesmo da resposta que a Justiça Eleitoral tem dado às práticas abusivas da campanha de Jair Bolsonaro. Sob pretexto de assegurar condições de igualdade aos candidatos na campanha eleitoral – dever que, de fato, o Congresso lhe atribuiu por meio do Código Eleitoral –, o TSE tem proferido decisões que vêm gerando imensa inquietação em muitos brasileiros. A impressão é a de que, para favorecer um candidato, o tribunal eleitoral estaria até mesmo censurando veículos de comunicação.

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Judiciário impor qualquer tipo de censura. Há liberdade de expressão e de opinião, e ponto final. Se o respeito a essa garantia constitucional é sempre importante, ele se torna ainda mais fundamental durante uma campanha eleitoral, quando os cidadãos devem dispor de todas as condições para expor, conhecer e debater as diferentes visões sobre os candidatos, os partidos e suas propostas. 

Por isso, seja qual for o fundamento legal a justificar sua atuação, o TSE sempre se equivoca quando suas decisões podem ser entendidas, por observadores isentos e qualificados, como prévia restrição da liberdade de expressão e de opinião. Além disso, ao dar margem a essa compreensão, a Justiça Eleitoral falha em uma de suas principais missões: assegurar a tranquilidade das eleições. Como os eleitores poderão ficar em paz se há a suspeita de censura para favorecer determinado candidato? 

Na recente atuação do TSE, há ainda uma outra agravante, extremamente prejudicial para o equilíbrio entre os candidatos. As decisões do TSE têm sido utilizadas para transformar em vítima a candidatura de Jair Bolsonaro, justamente quem mais difunde desinformação e agride todos aqueles que não se curvam às suas vontades. Numa eleição, não há santos ou ingênuos de nenhum lado, mas uma coisa é certa: Jair Bolsonaro não é a vítima desta campanha – é, antes, seu algoz.

E não se pode dizer que a Justiça Eleitoral esteja beneficiando o petista Lula da Silva. Na semana passada, o TSE barrou um vídeo do PT que, sem ter qualquer inverdade factual – apenas mostrava Jair Bolsonaro dizendo que “pintou um clima” após ter visto algumas meninas venezuelanas –, vinha provocando o maior estrago na campanha do candidato do PL. Antes do debate da Band, Jair Bolsonaro chegou a referir-se às “piores 24 horas da minha vida” por causa do vídeo. Foi o TSE que estancou a sangria.

Mesmo sem ter a intenção de beneficiar um candidato, o fato é que o TSE errou e deve corrigir, o quanto antes, seus equívocos, revogando todas as decisões que afetaram a liberdade de expressão de cidadãos e de meios de comunicação. É preciso, no entanto, reconhecer que o erro não foi apenas do TSE. Ampla demais, a legislação eleitoral dá margem a interpretações perigosas. Além disso, após a experiência das duas últimas eleições – com um inédito nível de desinformação e de ataques –, o TSE foi muito pressionado a usar todos os meios legais disponíveis para conter os abusos de autoridade e de poder econômico. Era preciso defender a liberdade política de todos.

Percebe-se, agora, que a pretensão de coibir todo abuso – uma tarefa virtualmente impossível – está provocando o efeito oposto: fornecendo mais matéria-prima para a difusão de novas mentiras. Ao contrário do que diz a campanha de Bolsonaro, a liberdade de expressão e de imprensa é cláusula pétrea e, por mais que haja eventuais decisões judiciais equivocadas, ela não está em risco nestas eleições. Ganhe quem ganhar, a Constituição de 1988 seguirá vigente.