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Um Orçamento inviável

Se Bolsonaro vetar o que deve ser vetado, sobra algo desse Orçamento mal feito?

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Por Notas & Informações
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Aprovada na semana passada, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 é inviável. Caso sancione o orçamento tal como foi aprovado pelo Legislativo, o presidente Jair Bolsonaro incorrerá muito provavelmente em crime de responsabilidade. Sobre esse ponto não há especiais dúvidas. Além de ferir o interesse público e ignorar a situação social e econômica do País, o texto aprovado descumpre regras básicas da legislação fiscal.

E aí se cai num paradoxo. Se Jair Bolsonaro vetar o que deve ser vetado, sobra algo desse Orçamento atrasado e mal feito? O texto aprovado pelos deputados e senadores contém manobras contábeis imorais e ilegais. Com o objetivo de ampliar os recursos públicos destinados a emendas parlamentares e não haver um explícito descumprimento do teto de gastos, o Congresso reduziu a previsão de gastos obrigatórios.

Com isso, segundo a redação do texto aprovado, as despesas totais estariam dentro do limite constitucional. No entanto, trata-se de manobra contábil. Uma vez que são gastos obrigatórios – por exemplo, despesas previdenciárias –, a redução aprovada pelo Congresso não tem efeito. Os gastos vão ocorrer, por mais que a LOA de 2021 os tenha reduzido formalmente.

“A redução de despesas obrigatórias a níveis pouco razoáveis, tecnicamente, traz riscos à transparência nas contas públicas e à gestão da política fiscal”, escreveu o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), em artigo no Estado (O Orçamento de 2021, dia 30.3). “É sintomático que os números do Orçamento aprovado sejam também bastante distintos do quadro apresentado pelo governo no relatório bimestral de avaliação orçamentária, de 22 de março. A LOA nasceu subestimada”, concluiu. 

Ao mesmo tempo que subestimou as despesas obrigatórias, prevendo números menores do que os indicados pelo governo federal – que é quem realiza essas despesas –, o Congresso fixou os gastos discricionários em R$ 139,1 bilhões, o que representa um aumento de R$ 26 bilhões em relação ao projeto inicial do Orçamento.

Em relação às emendas parlamentares, havia um acordo do Congresso com o Executivo para se conceder um valor adicional de R$ 16 bilhões em relação ao previsto originalmente. Já era um escândalo. No entanto, o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), acrescentou quase o dobro, R$ 31,3 bilhões.

Onde seria possível cortar o Legislativo aumentou, e onde não tinha poderes para alterar, alterou.

Tais manobras terão consequência. Sendo irreais as previsões de gastos obrigatórios, será preciso contingenciar os gastos discricionários. A IFI estima que será necessário um corte de R$ 31,9 bilhões nessas despesas. Como alertou Felipe Salto, “a provável necessidade de suplementar as dotações orçamentárias das despesas obrigatórias pelo cancelamento de emendas só poderia tornar-se viável com aprovação de um projeto de lei. Caso contrário, será preciso cortar despesas discricionárias do Executivo, pondo em risco o funcionamento da máquina pública”.

Tal situação ocorre pois as emendas parlamentares têm regras especiais. “Embora sejam passíveis de contingenciamento, as emendas parlamentares, em regra, não podem ser utilizadas como fonte para abertura de créditos suplementares por decreto do Executivo”, diz a IFI em nota técnica.

A manobra contábil foi tão descarada que um grupo de parlamentares apresentou, no dia 29 de março, requerimento ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que se manifeste formalmente a respeito do corte de R$ 26,5 bilhões em despesas obrigatórias.

Mesmo depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff há quem pense que as leis fiscais podem ser burladas. Não tendo assumido o ônus político de um efetivo acompanhamento da tramitação da lei orçamentária, o presidente Jair Bolsonaro colocou-se numa disjuntiva nada fácil: ou vetar o que deve (com o risco de travar a máquina pública) ou incorrer em crime de responsabilidade fiscal.