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Um quadro sombrio para a educação

Escolas fechadas por tempo excessivo foi só um dos graves erros cometidos pelas autoridades na pandemia; estudo do FMI mostra que sequelas no Brasil são ainda piores

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Por Notas & Informações
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Em relatório intitulado Minimizando as Cicatrizes da Pandemia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) diagnosticou a dimensão e a complexidade das sequelas socioeconômicas a serem enfrentadas, como perdas na produção econômica, desemprego, dívida das empresas, vulnerabilidades das indústrias ou déficits de aprendizagem.

No caso do Brasil, a educação é possivelmente o setor no qual a sequela é mais grave. Duplamente grave. Primeiro pelo impacto em si da ruptura, devido ao fechamento desproporcional das escolas. Depois, porque de todas as sequelas ela é a mais negligenciada.

O Brasil esteve entre os países onde as escolas permaneceram fechadas por mais tempo. Em 2020, por exemplo, enquanto a média entre os países da OCDE foi de 44 dias letivos, no Brasil foram 178.

O fechamento impactou o acesso à nutrição e serviços de saúde como programas de vacinação para muitas crianças pobres, além dos abalos à saúde emocional com o declínio das interações sociais.

Os retrocessos na acumulação de capital humano tendem a ser brutais, pesando sobre a produtividade e a desigualdade por décadas. Além da redução do capital humano em si, as perdas de capital físico se traduzirão em menos investimentos. O declínio nos níveis de habilidades tende a aumentar o trabalho informal e ampliar as desigualdades.

O FMI calcula que os ganhos médios dos estudantes brasileiros impactados pelo fechamento das escolas serão 9,1% menores ao longo da vida. É o terceiro pior resultado entre os países do G-20. Escusado dizer que essa é uma média. As perdas serão muito maiores para as classes baixas. Em perda de aprendizado, o País está na penúltima colocação.

Um levantamento da Unesco, do Unicef e do Banco Mundial sumariou as diretrizes para Um Caminho de Recuperação. Manter as escolas abertas é prioridade. Isso seria óbvio, não fosse o histórico do Brasil e os recorrentes flertes com mais fechamentos. Ante eventuais novos surtos, é inaceitável que protocolos como redução do tamanho das classes e sistemas de turnos não sejam aplicados.

O primeiro passo para a recuperação é desenvolver sistemas de avaliação dos níveis de aprendizado dos estudantes que reflitam seus contextos e subgrupos. Essas avaliações serão cruciais para subsidiar os programas de recuperação. Esses programas devem ser modulados com uma mescla de técnicas comprovadas, como consolidação do currículo, extensão do tempo de aula ou aumento da eficiência do ensino por meio de uma instrução focada, pedagogias estruturadas, grupos seletos de tutoria e programas de ensino autoguiados.

Além das perdas de aprendizagem, é essencial mitigar as perdas socioemocionais com programas de apoio psicossocial às escolas.

Há várias boas práticas no mundo a serem emuladas. O Reino Unido, por exemplo, aprovou um fundo para apoiar a recuperação acadêmica e a saúde mental dos estudantes. A fim de aumentar a resiliência do sistema educacional contra futuras rupturas, a Coreia do Sul dedicou uma parcela significativa de seu pacote de estímulos a desenvolver infraestrutura digital e aprimorar as habilidades dos professores no ensino remoto. China, Coreia e Arábia Saudita projetaram programas de assistência financeira a famílias de baixa renda para acessar dispositivos digitais e ampliar a conectividade.

Como disse a Unesco, “agora é o momento de mudar da crise para a recuperação – e, além da recuperação, para sistemas de educação resilientes e transformativos que realmente entreguem aprendizagem e bem-estar para todas as crianças e jovens”.

Durante a pandemia, a regra no Brasil, em que pesem as exceções que a confirmam, foi a negligência, notavelmente por parte do governo federal. Não há como voltar atrás e restaurar o tempo perdido com as escolas fechadas. No início, os excessos podiam ser, se não justificados, ao menos escusados pelo medo. À medida que se conhecia melhor a real ameaça do vírus, insistir no fechamento já foi uma estupidez que, agora, redobrou o desafio educacional imposto pela pandemia. Negligenciá-lo uma terceira vez será perversidade.