Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Um solavanco na inflação

A aceleração recente – de 0,32% em janeiro para 0,43% em fevereiro – deve ser, tudo indica, um evento passageiro

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Depois de um susto em fevereiro, quando a inflação oficial chegou a 0,43%, as famílias verão os preços acomodar-se e avançar mais lentamente, se o governo tiver juízo e o ano transcorrer sem grandes acidentes. Se a política oficial avançar na direção correta, empresários confiantes poderão contratar mais trabalhadores. Com mais empregos e a renda preservada de uma corrosão maior, os consumidores poderão comprar mais e demandar uma produção mais volumosa, ajudando a girar mais rapidamente a roda dos negócios. Sem pressão inflacionária mais forte, o Banco Central (BC) poderá manter os juros básicos em 6,50% até o fim do ano, como se prevê no mercado financeiro. Isso contribuirá para maior atividade e facilitará a gestão da dívida pública. Medidas firmes e bem planejadas para a aprovação e a implementação da reforma da Previdência serão essenciais para a concretização desse quadro.

Enquanto se espera a tramitação da reforma, há condições, por enquanto, para apostar numa inflação moderada em 2019. A aceleração recente – de 0,32% em janeiro para 0,43% em fevereiro – deve ser, tudo indica, um evento passageiro. Dois itens, alimentação e mensalidades escolares, explicam quase toda a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês passado. O custo de alimentos e bebidas subiu 0,78% em fevereiro e produziu impacto de 0,19 ponto porcentual no índice geral. O item educação encareceu 3,53%, com impacto de 0,17 ponto. Somados, os dois componentes produziram um efeito de 0,36 ponto, pouco faltando para completar a inflação mensal de 0,43%. Os novos números foram divulgados anteontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A alta da mensalidade escolar é sazonal. Quanto ao custo da alimentação, foi impulsionado principalmente pelo encarecimento do feijão carioca (51,58%), resultante da quebra da safra de verão. Alguma pressão deve manter-se em março, mas em breve a segunda safra deverá normalizar o mercado. Não se pode, portanto, caracterizar o salto do IPCA em fevereiro como nova tendência. Pelos dados conhecidos, foi apenas um solavanco, sensível, mas nada mais grave que isso.

Analistas do mercado financeiro convergiram para essa interpretação. A mudança, segundo eles, foi pontual e o cenário para a taxa básica de juros permanece inalterado. Sem razões para identificar uma tendência de inflação mais acelerada, o Comitê de Política Monetária do BC, o Copom, deverá manter os juros básicos no piso histórico de 6,50%. O Copom deverá reunir-se de novo nas próximas terça e quarta-feira. Esses juros, segundo economistas do setor financeiro e das principais consultorias, só deverão subir em 2020 e poderão estar em 8% no final do próximo ano.

As análises do IPCA confirmam a tese de uma inflação bem comportada. O índice de difusão caiu de 61,33% em janeiro para 59,47% em fevereiro, segundo cálculo da Guide Investimentos. Esse indicador mostra o grau de espalhamento das altas de preços. Os aumentos, portanto, foram mais concentrados. Também é possível avaliar tendências pelo exame de vários núcleos da inflação, obtidos pela eliminação dos preços mais voláteis ou por outras formas de seleção. A média dos vários núcleos passou de 0,38% em janeiro para 0,25% no mês seguinte.

O mercado continua estimando para este ano uma inflação abaixo da meta de 4,25%. A mediana das projeções ficou em 3,87% na última pesquisa Focus, uma consulta realizada semanalmente pelo BC.

Essa e outras projeções, como a do câmbio, mostram um mercado ainda confiante na aprovação de uma boa reforma da Previdência e no ajuste das contas públicas, essenciais para uma reação econômica mais firme. Uma piora das expectativas poderá afetar a formação dos preços e eliminar o quadro ainda benigno da inflação. Confiança é um bem precioso, mas perecível. Se desprezar esse dado, o governo cometerá um erro desastroso. A equipe econômica deve saber disso. Não está claro se o presidente da República tem uma clara noção da escassez do tempo.