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Um tribunal fora de hora e de lugar

A proposta do TRF do Estado de Minas Gerais cria um perigoso precedente

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Por Notas & Informações
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No meio da pandemia de covid-19, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (PL) que cria um Tribunal Regional Federal (TRF) com jurisdição exclusiva para o Estado de Minas Gerais. Defendida pelo ministro João Otávio de Noronha, que deixou recentemente a presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a proposta não merece prosperar no Senado, tanto pela escassez de recursos públicos como pelo equívoco de haver um tribunal regional atendendo um só Estado, o que rompe com um dos pilares da Justiça Federal.

Inspirada na experiência norte-americana, a organização da Justiça Federal por regiões, e não por Estados, é um modo de assegurar que o Judiciário Federal não fique refém das oligarquias estaduais. No entanto, o que se tem visto desde o ano passado – quando o pleno do STJ aprovou a proposta de um TRF para Minas Gerais – é um movimento em sentido contrário. Lideranças estaduais querem ter um tribunal federal para chamar de seu.

Com a movimentação pelo novo tribunal em Minas Gerais, outros Estados já deram sinais de que seguirão o mesmo caminho. O coordenador da bancada baiana na Câmara dos Deputados, deputado Marcelo Nilo (PSB), por exemplo, afirmou que, “se sair o TRF de Minas, o da Bahia será o próximo da lista”. A proposta do TRF de Minas Gerais cria, assim, um perigoso precedente. 

A pressão pela criação de TRFs não é nova. Em 2013, foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) 73, autorizando a instalação de quatro novos TRFs nos Estados do Paraná, Bahia, Amazonas e Minas Gerais. O intento só não foi adiante por causa da resistência do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa. Segundo ele, a expansão da segunda instância da Justiça Federal não fazia sentido do ponto de vista funcional e obrigaria a União a fazer vultosos gastos desnecessários.

Existem hoje cinco Tribunais Regionais Federais, e a jurisdição de nenhum deles é exclusiva para um único Estado. A Justiça Federal é de fato regionalizada, o que está em linha com suas competências constitucionais. Cabe à Justiça Federal julgar as ações que envolvem a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais – reservadas as competências específicas da Justiça Eleitoral e do Trabalho –, bem como outras questões de interesse da Federação previstas na Constituição. Ou seja, o caráter regional da Justiça Federal assegura que a União não esteja subordinada a interesses e pressões estaduais, o que certamente causaria desequilíbrios no pacto federativo.

Vendo os méritos da estrutura regional, entende-se a razão das pressões para criar tribunais federais específicos para um único Estado. Nesse esforço, vale até a propositura de fórmulas mágicas. Por exemplo, o ministro João Otávio de Noronha sustenta que a criação do TRF de Minas Gerais não envolve nenhum custo adicional aos cofres públicos. “Nós sabemos das profundas dificuldades financeiras e do momento difícil que o País atravessa, e por isso mesmo a proposta de criação do TRF-6 foi feita sem nenhum aumento de custo na Justiça Federal”, disse o ex-presidente do STJ no ano passado.

O Projeto de Lei 5.919/19 prevê a criação de 18 cargos de desembargadores, com vencimentos de R$ 35 mil brutos, além dos penduricalhos, que não entram no cálculo do teto salarial do funcionalismo. Há também previsão para a contratação de pessoal de apoio, entre analistas judiciais, secretárias e contínuos. Além disso, o projeto estabelece que o TRF de Minas Gerais, após dois anos de funcionamento, poderá propor uma nova organização. Ou seja, a Corte começa timidamente, com “apenas” 18 desembargadores, mas depois ninguém sabe que tamanho ela poderá ter. Por ocasião da aprovação da EC 73/2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que a criação dos quatro novos TRFs, além de não aumentar a produtividade da Justiça Federal, acarretaria gastos adicionais de R$ 922 milhões.

Não é hora de criar um novo TRF, muito menos para um único Estado. Cabe ao Senado rejeitar essa cara e disfuncional proposta.