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Uma reforma cada vez mais distante

Ao improvisar um teto para o ICMS sobre itens essenciais, de olho nas eleições, Câmara mostra falta de disposição para discutir uma reforma tributária ampla

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Por Notas & Informações
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Em mais uma demonstração do improviso e casuísmo que têm sido regra nos últimos três anos, a Câmara aprovou um projeto que estabelece um teto de 17% para as alíquotas de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incidem sobre energia, combustíveis, transportes e telecomunicações. A proposta está agora no Senado, ambiente em que os governadores costumavam ter mais voz, mas tudo indica que ela será aprovada, talvez com algum tipo de compensação por potenciais perdas. A questão, não enfrentada pelos parlamentares, são os motivos que levaram os Estados a impor uma tributação tão elevada sobre estes bens e serviços, e as razões pelas quais ela deveria ser revista, temas que só poderiam ser devidamente tratados dentro de uma ampla reforma.

Não se discute que um ICMS de 30% sobre energia seja indefensável nem o fato de que, ao incidir “por dentro”, seu peso fica ainda maior aos consumidores finais, mas o fato é que ele é a principal fonte de recursos dos Estados. As alíquotas são, sim, elevadas, não porque os governadores sejam maus, mas porque cobrar o tributo sobre a conta de luz, combustíveis adquiridos nos postos e faturas de serviços de telecomunicações é uma das formas mais fáceis de contar com receitas certas e evitar a sonegação. Não é o tipo de tema que costuma gerar controvérsias administrativas e judiciais que demandem a consultoria de escritórios de advocacia especializados. Tampouco é preciso ser um especialista para saber que reduzir as alíquotas sobre bens essenciais, que alcançam uma enorme base de contribuintes, e tentar compensá-las por uma tributação mais pesada sobre artigos de luxo, como lanchas, jamais teria o mesmo efeito para os cofres públicos.

Em nenhum momento os parlamentares discutiram conceitos como eficiência produtiva ou justiça tributária. Não adianta atacar o imposto se os custos dos itens essenciais não estão sob controle do governo, ainda mais quando a tendência é que eles continuem a aumentar nos próximos meses. Experiências anteriores provam que qualquer desconto tende a ser apropriado ao longo da cadeia, enquanto a renúncia tem caráter permanente, assim como as despesas dos Estados com funcionários públicos. Caminhoneiros autônomos, para quem o diesel é insumo de trabalho, serão alcançados pelos eventuais efeitos de um ICMS mais baixo – se houver – tanto quanto donos de utilitários esportivos. Ao impor o teto para o imposto, portanto, a Câmara deu uma verdadeira lição sobre o que fazer para garantir que uma reforma tributária ampla não seja aprovada – rapidamente comprovada pela vergonhosa manobra dos senadores que impediram a obtenção de quórum mínimo para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019, de autoria do próprio Senado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

A reforma tributária é demanda antiga de especialistas e setores produtivos e envolve coordenação entre União, Estados e municípios. Um tema tão complexo naturalmente gera divergências, mas há algumas convicções compartilhadas por praticamente todos. A tributação precisa ser simples, não o manicômio que vigora no País; progressiva, com uma contribuição menor por parte dos mais pobres e maior dos mais ricos; equilibrada, sem onerar o consumo em demasia em detrimento da renda e da propriedade; e equânime, sem privilegiar setores escolhidos a dedo com regimes especiais e deduções legais.

Por fim, de forma realista, haja vista as deficiências crônicas do País em áreas como saúde, educação e segurança, o foco de uma verdadeira reforma não deveria ser a redução dos impostos, mas sim a revisão dos tributos que distorcem a atividade produtiva e impedem um crescimento econômico que tenha durabilidade de médio e longo prazos. É isso que a sociedade almeja do Legislativo e do Executivo há décadas. Quando os parlamentares e o governo não fazem seu trabalho, não é por desconhecimento. Quando pioram o que já era ruim e se limitam a oferecer migalhas em troca de votos, condenam o País a um recorrente voo de galinha.