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Uma trégua boa para o Brasil

Se tiver juízo, o governo se apressará para aproveitar a trégua no campo monetário. Se se atrasar, será forçado a agir em condições muito piores

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Por Notas & Informações
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Dinheiro farto e juros baixos no mundo rico são um raro fator favorável num quadro internacional marcado por tensões comerciais, protecionismo em alta e crescimento em baixa na maior parte das grandes economias. O mercado financeiro global já foi mais tranquilo numa fase recente, mas alguma calma é previsível neste ano – uma bênção para o governo brasileiro, forçado a cuidar ao mesmo tempo da reforma da Previdência e da reativação de um país em marcha muito lenta. Na zona do euro, os juros básicos deverão ficar inalterados até o fim do ano, segundo anunciou o Banco Central Europeu (BCE). Nos Estados Unidos, a taxa básica, elevada em janeiro para a faixa de 2,25% a 2,50% ao ano, deverá subir mais devagar que nos últimos anos, segundo têm indicado os dirigentes do Federal Reserve (Fed), responsável pela política monetária americana e, portanto, com enorme influência nas condições internacionais de crédito, de investimento e de formação do câmbio.

O governo brasileiro tem mais de um motivo de satisfação diante da perspectiva de calmaria nas políticas monetárias dos Estados Unidos e da zona do euro. Juros em alta no mundo rico afetam os fluxos de capitais, desviando-os para aplicações em papéis considerados seguros, como os títulos do Tesouro americano.

Saídas de capitais, quando volumosas, afetam as bolsas dos mercados emergentes. Também podem afetar o câmbio, desvalorizando as moedas nacionais e criando pressão inflacionária. Quando os efeitos são graves, o banco central do país afetado tende a reagir aumentando os juros. No caso brasileiro, a taxa sairia do patamar historicamente baixo de 6,50%, elevando os custos de financiamento do Tesouro e ao mesmo tempo dificultando a recuperação do consumo, da produção e do emprego.

A decisão anunciada pelo BCE reflete a expectativa de expansão econômica muito lenta neste ano e de inflação ainda muito baixa. Segundo o presidente do BCE, Mario Draghi, a projeção de crescimento da zona do euro em 2019 foi cortada de 1,70% para 1,10%. A estimativa para 2020 passou de 1,70% para 1,60%. A inflação esperada para este ano caiu de 1,60% para 1,20%. A previsão para o próximo ano foi revista de 1,70% para 1,50%. A meta do BCE é uma taxa anual sustentável pouco inferior a 2%.

No caso dos Estados Unidos, o avanço econômico foi muito forte no ano passado e o emprego cresceu vigorosamente. A primeira estimativa do Produto Interno Bruto (PIB), publicada no fim de fevereiro, apontou expansão de 2,90%. Antes de conhecida essa informação, os dirigentes do Fed haviam, em janeiro, decidido manter os juros na faixa de 2,25% a 2,50%. Em suas explicações, admitiram o crescimento econômico vigoroso e a continuada melhora das condições de emprego, mas citaram, em contrapartida, sinais de enfraquecimento dos negócios. Com essa ressalva, justificaram a decisão de manter a taxa básica inalterada por algum tempo, à espera de informações mais claras.

Segundo a nota divulgada pelo Fed nessa ocasião, os formuladores da política monetária estavam dispostos a agir com paciência, sem pressa para mexer novamente nos juros. Essa disposição havia sido indicada por vários membros do comitê político, antes da reunião de janeiro. A palavra paciência foi ainda repetida muitas vezes depois da deliberação. O mesmo recado foi transmitido pelo presidente do Fed, Jerome Powell, em depoimento no Senado, no fim de fevereiro. Nesse depoimento ele já mencionou um crescimento pouco inferior a 3% em 2018. Não deve ter-se surpreendido, portanto, com o número oficial divulgado poucos dias depois.

A esperada calmaria na política monetária do Fed e do BCE deverá garantir ao governo brasileiro alguma tranquilidade em pelo menos um front importante. Mas a maior parte do cenário internacional permanece preocupante, com a atividade já em queda e riscos de agravamento do quadro. Se tiver juízo, o governo se apressará para aproveitar a trégua no campo monetário. Se se atrasar, será forçado a agir em condições muito piores.