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Vetos à lei anticrime

A Lei 13.964/2019 sofreu peculiar veto por parte do STF, em relação ao juiz de garantias

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Por Notas & Informações
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Depois de mais de um ano, o Congresso concluiu a apreciação dos vetos apostos pelo presidente Jair Bolsonaro à Lei 13.964/2019, resultado de um amplo conjunto de propostas legislativas sobre matéria penal e processual penal. Entre as propostas que deram origem à lei estava o chamado Pacote Anticrime, redigido pelo governo federal sob a orientação do então ministro da Justiça Sérgio Moro.

O texto final aprovado pelo Legislativo é bem diferente e muito superior ao que foi proposto pelo Executivo. De toda forma, a Lei 13.964/2019, que alterou nada menos do que 17 diplomas legais, tem também suas deficiências. A descrição oficial sobre o conteúdo da nova lei – “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal” – não condiz inteiramente com a realidade.

Um dos problemas da Lei 13.964/2019 refere-se à desproporcionalidade de algumas penas. Por exemplo, os crimes contra a honra cometidos ou divulgados em redes sociais e na internet tiveram suas penas triplicadas. Esse desequilíbrio também se observa na alteração relativa ao crime de homicídio. Quando praticado com arma de fogo de uso restrito ou proibido, o crime passou a ser qualificado, com pena de 12 a 30 anos.

Um dos vetos derrubados pelo Congresso refere-se à progressão do regime de prisão. O Executivo não queria, mas o Legislativo assegurou que o bom comportamento, para fins de progressão de regime, pode ser readquirido um ano após a falta cometida pelo preso. Entendeu-se ser fundamental que o sistema prisional incentive a melhora de comportamento, tendo em vista a ressocialização.

Ao todo, o Congresso derrubou 16 dos 24 vetos à Lei 13.964/2019. Os oito vetos mantidos referem-se às condições para a celebração de acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa. Com isso, a Lei de Improbidade Administrativa passou a autorizar esse acordo – o que antes era proibido –, mas sua regulamentação legal foi vetada.

É preciso lembrar, no entanto, que a Lei 13.964/2019 não recebeu vetos apenas do presidente da República, possibilidade prevista na Constituição e que tem encaminhamento já definido. Cabe ao Congresso apreciar os vetos presidenciais. No caso, a nova lei também sofreu um peculiar veto por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) – o que não tem previsão na Constituição e, pior, o Legislativo não dispõe de meios para derrubar o “veto judicial”.

Em janeiro de 2020, logo depois da sanção parcial da Lei 13.964/2019, o então presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, expediu decisão liminar suspendendo por seis meses a aplicação dos dispositivos legais relativos ao sistema do juiz de garantias. Nele, há um magistrado que atua exclusivamente na fase de investigação criminal, sendo responsável pelo controle da legalidade dos atos praticados e pelo respeito aos direitos dos investigados.

O objetivo desse sistema é prover maior isenção da magistratura criminal, fazendo com que o juiz responsável pela investigação não seja o mesmo a dar depois a sentença sobre o caso. Trata-se de inovação importante para o equilíbrio do sistema de justiça.

Deve-se reconhecer, no entanto, que o Congresso não previu, no devido tempo, a instalação do juiz de garantias. Por mais que pudesse ser criticada, a decisão do ministro Dias Toffoli era compreensível.

O principal problema veio em seguida. Ainda no mês de janeiro de 2020, aproveitando o plantão forense, o então vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, concedeu nova liminar, cassando a primeira e suspendendo o juiz de garantias por tempo indeterminado. Até agora, o veto judicial segue vigente.

Cabe ao Supremo realizar controle de constitucionalidade sobre as leis aprovadas pelo Congresso. No caso, no entanto, não há de se cogitar de inconstitucionalidade, uma vez que o sistema dos dois juízes contribui para a proteção das garantias fundamentais. O que se vê é a tentativa de usar o poder judicial para vetar mudanças legais com as quais não se concorda. Tal veto não é compatível com o princípio da separação dos Poderes.