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Violência inaceitável

Há indicação de graves erros do poder público em Paraisópolis. Ele não proibiu o baile ilegal; e apavora a constatação do uso da violência

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Por Notas & Informações
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O que se viu no baile funk na favela de Paraisópolis, na zona sul da capital, na madrugada do domingo passado foi absolutamente inaceitável. Nove pessoas morreram pisoteadas e 12 ficaram feridas em razão de tumulto surgido a partir de uma ação da Polícia Militar (PM). Segundo a PM, agentes de segurança perseguiam dois suspeitos, que entraram no baile como meio de fuga. A polícia, então, invadiu a festa, que tinha cerca de 5 mil pessoas, para dar continuidade à perseguição, desencadeando uma grande confusão entre os participantes do evento.

É imprescindível investigar prontamente o que de fato ocorreu em Paraisópolis, identificando os responsáveis pelos trágicos acontecimentos. Há relatos e evidências de agressão de policiais contra os participantes da festa. A Polícia Civil e a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo informaram que vão apurar as circunstâncias do caso. De toda forma, as informações disponíveis até o momento indicam uma sucessão de graves erros do poder público, que, de forma alguma, poderiam ter ocorrido.

Em primeiro lugar, foi acintoso o despreparo dos policiais militares. Segundo o relato da própria corporação, os policiais colocaram em risco a vida e a integridade de 5 mil pessoas para perseguir dois suspeitos. O mínimo senso de prudência recomendava que, quando os suspeitos entraram no baile para se esconder, a PM sustasse imediatamente a ação. Dar continuidade à perseguição policial num evento dessas proporções foi uma enorme temeridade. Os policiais ali presentes foram incapazes de avaliar minimamente os riscos que sua ação poderia desencadear.

Mesmo depois de ter entrado no baile perseguindo os dois suspeitos – o que já foi um sério erro operacional –, ao constatar que o intento de capturar os fugitivos tinha se frustrado e que sua presença no baile produzia considerável alvoroço, a PM deveria ter imediatamente agrupado seus agentes e se retirado. O primeiro erro – entrar no baile – não concedia autorização para novos e mais graves erros. A sequência de erros revelou preocupante falta de comando sobre os policiais presentes na área. O uso da força por parte do Estado não pode ser desorganizado, intempestivo e menos ainda acéfalo.

Dessa forma, o próprio relato da PM sobre o que ocorreu na madrugada de domingo passado em Paraisópolis contradiz a declaração do porta-voz da PM, tenente-coronel Emerson Massera, em entrevista à rádio Eldorado, de que ainda “não é possível apontar que houve uma falha dos policiais”. Houve, no mínimo, duas falhas graves flagrantes por parte da PM.

Outro aspecto da lamentável tragédia diz respeito à presença de menores de idade na festa. Dos nove jovens mortos, quatro eram menores de idade – três tinham 16 anos e um, 14 anos. A legislação estabelece uma série de condições para a realização de um evento com a participação de crianças e adolescentes. É competência da administração municipal averiguar o preenchimento desses requisitos, antes da concessão do alvará, bem como realizar a necessária fiscalização do cumprimento dessas condições.

Não se tem notícia de nenhuma autorização do poder público para a realização do Baile da Dz7, onde ocorreu a tragédia. Segundo o governador João Doria, “(o baile) não deveria sequer ter ocorrido, porque é ilegal. Fere a legislação municipal”. O mais espantoso é que esse baile é realizado há quase uma década, todos os fins de semana, de quinta a domingo. Trata-se de um evidente descaso do poder público, que permite a ocorrência continuada de uma atividade ilegal.

O poder público sabia perfeitamente da ocorrência do evento. No domingo, no local do baile, havia seis motocicletas da PM estacionadas, para reforçar o patrulhamento da região. O problema, portanto, não é a ausência do poder público. Há uma atuação disfuncional das autoridades. Espanta saber que elas se omitem do dever de proibir a organização continuada do baile funk ilegal; e apavora a constatação de que as autoridades exorbitam no uso da violência, sem motivo e sem objetivo plausíveis.