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Vitória do País

A aprovação da reforma da Previdência na Câmara é inequívoco sinal de bom senso da classe política, que soube compreender o momento delicado que o País atravessa

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Por Notas e Informações
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A conclusão da votação da reforma da Previdência na Câmara, aprovada em dois turnos por ampla margem, é inequívoco sinal de bom senso da classe política, que soube compreender o momento delicado que o País atravessa.

A decisão de apoiar a reforma, medida desde sempre tida como politicamente tóxica, indica que os parlamentares afinal compreenderam não só que a manutenção do atual sistema de aposentadorias provocaria o colapso das contas públicas e ameaçaria o próprio funcionamento da máquina do Estado, como também que a necessidade de financiar o enorme déficit da Previdência já estava inviabilizando o investimento em setores cruciais para o País, como educação, saúde e infraestrutura.

Os placares elásticos de aprovação – 379 votos a 131 no primeiro turno e 370 votos a 124 no segundo – indicam que se construiu no País um amplo consenso sobre a urgência de uma reforma abrangente, como a que foi chancelada pela Câmara e agora irá ao Senado, onde também passará por duas votações. Alguns deputados que haviam votado a favor no primeiro turno, antes do recesso parlamentar, temiam uma reação negativa de suas bases eleitorais e uma consequente pressão para mudar o voto no segundo turno, mas nada disso aconteceu.

Mais surpreendente ainda foi o fato de que a reforma ganhou amplo apoio mesmo sendo a mais dura e abrangente já proposta por um governo. Estabelece idades mínimas de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, altera regras de pensão por morte e cálculo de benefícios, muda alíquota de contribuição, limita acúmulo de benefícios e reduz a aposentadoria por invalidez, entre outros itens. A economia prevista é da ordem de R$ 933,5 bilhões em dez anos.

A aprovação de uma reforma com essas características só foi possível porque as lideranças do Congresso se mostraram conscientes de sua necessidade e trabalharam para convencer seus pares a apoiar as mudanças. Nesse processo, enfrentaram não somente a oposição costumeiramente aguerrida dos partidos que representam corporações afetadas pela reforma, como a dos servidores públicos, mas também a inabilidade do governo na articulação com o Congresso.

Não foram poucas as ocasiões em que a sabotagem à reforma partiu do próprio Palácio do Planalto. Houve momentos em que o presidente Jair Bolsonaro reviveu seus melhores dias como deputado federal, quando defendia os interesses de categorias profissionais ligadas à segurança e era ruidosamente contra a reforma da Previdência.

Felizmente, alguns competentes técnicos do governo lotados na Secretaria de Previdência fizeram bem seu trabalho, em demoradas exposições na Câmara para esclarecer dúvidas dos deputados e no contato direto com parlamentares, em 168 dias de negociações.

Por fim, é notável que a reforma tenha sido aprovada justamente no momento em que o presidente Bolsonaro parece bastante empenhado em criar polêmicas e em dividir ainda mais o País. As semanas que antecederam o segundo turno da votação foram marcadas pela virulência de Bolsonaro contra a imprensa, contra o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e contra os governadores do Nordeste. Sobrou até para a chanceler alemã, Angela Merkel, e para o governo francês.

Em condições normais, tal comportamento certamente erodiria o apoio a medidas defendidas pelo governo no Congresso. Mas a reforma da Previdência, ao que parece, há algum tempo deixou de ser identificada como uma iniciativa do governo de Bolsonaro para se transformar num empreendimento conjunto das forças políticas do País – com a habitual exceção da esquerda irresponsável. Até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu isso, ao agradecer “o excelente trabalho da Câmara, o excelente trabalho de coordenação do presidente Rodrigo Maia” na votação da reforma.

Em resumo, a agenda de reformas parece avançar de forma independente, sem ser abalada pelo destrambelhamento de Jair Bolsonaro e de seu entorno. Enquanto o presidente se entretém em seu cercadinho cultivando inimigos imaginários, o País demonstra disposição para fazer o que precisa ser feito.