Imagem ex-librisOpinião do Estadão

‘Vouchers’ para o ensino infantil

Ao anunciar plano, Paulo Guedes trouxe debate que envolve questões importantes

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Ao anunciar em Davos que o governo adotará a política de distribuição de vouchers para que as famílias de baixa renda matriculem seus filhos em escolas particulares de ensino infantil, sob a justificativa de que esse é o caminho para combater a desigualdade social, o ministro da Economia, Paulo Guedes, trouxe a público um debate já travado no governo do presidente Michel Temer, e que envolve duas questões importantes.

Uma é sobre os custos da universalização dos direitos consagrada pela Constituição. A outra é sobre o alcance e a eficácia das chamadas estratégias de focalização – programas economicamente orientados segundo padrões mínimos de inclusão social. Essas estratégias são defendidas há muitos anos por organismos multilaterais. Eles alegam que a universalização dos direitos provoca o inchaço do Estado e o descontrole dos gastos públicos. Também afirmam que a distribuição de recursos a um público-alvo pobre dá aos chefes de família condições para que sejam advogados mais eficientes de seus interesses.

Esse debate surgiu nas décadas finais do século 20, quando os países desenvolvidos tiveram de promover reformas estruturais para conter gastos e combater a inflação, por causa da crise do petróleo. As correntes mais conservadoras alegaram que cabe ao Estado apenas o dever de garantir um certo grau de segurança social, agindo de forma residual para suprir o que os pobres não são capazes de obter no mercado de trabalho. Assim, quem estiver acima da linha de pobreza deve pagar pelos serviços públicos e os que estiverem abaixo recebem um voucher. Já as correntes social-democratas defenderam a tese de que a universalização dos direitos – herança das Revoluções Americana e Francesa – é decisiva para a formação de pactos de solidariedade social e redistribuição de renda. Afirmaram, também, que as políticas de focalização não reduzem as disparidades sociais – no máximo, promovem uma inclusão social pontual e intermitente, aprofundando o assistencialismo.

O debate continua até hoje e permanece inconclusivo. Os conservadores têm razão quando lembram que a universalização de direitos tende a privilegiar os segmentos sociais e corporações com maior poder de articulação na defesa de seus interesses. Os social-democratas também têm razão quando afirmam que, diante da complexidade da vida econômica e social contemporânea, o Estado não pode abrir mão de determinadas funções públicas, entregando todo o ensino infantil para a iniciativa privada. Função e negócio são coisas distintas – se os negócios podem ser analisados em termos de rentabilidade financeira, a função pública tem de ser avaliada em termos de eficiência e responsabilidade, dizem eles.

Assim que Guedes anunciou em Davos que o governo lançará um “gigantesco programa de vouchers para o ensino infantil”, pedagogos e entidades educacionais reagiram, acusando o governo de transferir do Ministério da Educação para o Ministério da Economia a última palavra em políticas de ensino, privilegiando critérios exclusivamente financeiros. Com base em números, lembraram que, pela experiência internacional, o aprendizado dos alunos costuma ter resultados insatisfatórios quando recursos públicos são usados para financiar o ensino privado. “Não há nenhum caso de sucesso de voucher para ensino infantil no mundo. Ele prejudica a qualidade do ensino a serviço da expansão quantitativa”, afirma a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, lembrando o fracasso da política de focalização adotada pelo Chile no setor educacional.

O grande risco dessa polêmica é que ela acabe sendo minada pela radicalização que tomou conta da sociedade nos últimos anos. Por isso, em vez de privilegiar o ensino privado em detrimento do ensino público, ou vice-versa, o mais sensato seria o governo articular políticas que assegurem um equilíbrio entre eles, articulando-os com programas de assistência e saúde, como é o caso do programa já existente de visitação Criança Feliz, afirma Priscila Cruz. No que tem toda a razão.